Rixa política entre famílias deixa rastro de sangue e mortes no sertão nordestino
Administrador em 13 de novembro de 2017
Desde o início da tarde desta quinta-feira (9), os órgãos públicos de Batalha, no sertão alagoano, estão de portas fechadas. A cidade está com ruas quase vazias e ocupadas por mais de 50 policiais.
Tudo isso foi causado pela tensão e pelo medo da população após o assassinato do vereador Adelmo Rodrigues de Melo, o Neguinho Boiadeiro (PSD), ocorrido na porta da Câmara Municipal naquele dia.
Mais do que um tradicional crime de mando em Alagoas, o caso incendiou de vez uma das rixas políticas mais conhecidas do interior do Estado, envolvendo as famílias Dantas e Boiadeiro, e que já teria resultado em pelo menos seis mortes em 18 anos.
Hoje, Batalha é comandada por Marina Dantas (PMDB), mulher do ex-prefeito Paulo Dantas e nora do presidente da Assembleia Legislativa de Alagoas, Luiz Dantas (PMDB). Já os Boiadeiro têm uma atuação mais tímida na política: além de eleger Neguinho em Batalha, o outro político é Zé de Laércio, vereador na cidade de Craíbas.
O crime da quinta-feira foi praticado por dois homens que usaram pistolas de uso restrito de forças policiais. Eles esperaram o vereador sair do prédio da Câmara e entrar no carro para atirar.
Neguinho morreu minutos depois. Os criminosos também acertaram outras duas pessoas que estavam no carro. Elas sobreviveram e não correm mais risco de morte.
O clima pesou. Logo ao saber do atentado que vitimou o pai, José Marcio de Melo, conhecido como “Baixinho”, pegou uma arma e foi até a casa de José Emílio Dantas supostamente vingar a morte.
Emílio estava armado e reagiu. Houve troca de tiros, e Emílio foi atingido no ombro. Como havia gente ferida do “lado rival” nos hospitais de Batalha e de Arapiraca (a 50 km de Batalha), ele foi socorrido de helicóptero e levado até Maceió, onde foi atendido no Hospital Geral do Estado, e passa bem.
“Baixinho” foi indiciado na sexta (10) e teve a prisão preventiva decretada, mas ainda é procurado pela polícia.
O UOL visitou a casa da troca de tiros na sexta-feira e encontrou o local aberto, já que o portão arrombado foi retirado para conserto. As marcas de tiros, de vidros quebrados e de manchas de sangue no chão denunciavam o cenário de batalha que ocorrera ali horas antes.
Por conta do clima de tensão, integrantes da família Dantas foram retirados de Batalha pela polícia. Segundo apurou o UOL, eles devem se ausentar da cidade por pelo menos cinco dias.
O corpo de Neguinho Boiadeiro foi trasladado sob escolta policial até Craíbas, cidade próxima a Batalha e onde a família tem uma fazenda.
Centenas de pessoas participaram do velório e do enterro, ocorrido na tarde de sexta. Muitos políticos alagoanos também foram ao sepultamento ou visitaram a família.
A viúva, Mércia Boiadeiro, precisou ser amparada por familiares próximos. Muitos carros e militares estavam espalhados por todo o trajeto do cortejo, desde a fazenda até o cemitério.
Quase duas décadas de mortes
Para entender a rixa familiar, é preciso voltar a pelo menos 1999. As primeiras mortes de que se têm notícia foram a do ex-prefeito de Batalha José Miguel Dantas e a de sua mulher, Matilde – eles foram assassinados em uma emboscada em março de 1999. José Miguel era irmão do então presidente da Assembleia, Luis Dantas.
O crime foi imputado a Laelson Rodrigues de Melo, conhecido como “Laércio Boiadeiro”. Ele foi condenado a 35 anos de prisão em júri popular em 2012 pelo duplo homicídio. Laelson é irmão de Neguinho Boiadeiro e nega até hoje ter cometido o crime.
A partir dali, as famílias acirraram uma disputa por poder na cidade. Em 2006, outro crime aconteceu. Samuel Theomar Bezerra Cavalcante e o sargento Edvaldo Joaquim de Matos foram mortos em Batalha. Eles eram, respectivamente, cunhado e segurança de Paulo Dantas –que na época era prefeito da cidade. O autor dos disparos foi José Emanoel Boiadeiro.
Emanoel confessou os disparos e alegou legítima defesa. Ele chegou a ser condenado e estava em liberdade condicional quando morreu durante uma operação policial em outubro de 2016, na cidade de Belo Monte, vizinha a Batalha.
A versão oficial é que ele foi alvejado em uma troca de tiros com a polícia –que também resultou em um policial ferido na mão. Emanoel seria segurança de um candidato a prefeito da cidade de Belém e estaria armado. Um outro homem que estava com ele também foi morto. A família Boiadeiro contesta a história e alega que foi a família Dantas que ordenou a morte de Emanoel por vingança do crime ocorrido uma década antes.
Segundo o comandante do 7º Batalhão da PM, tenente-coronel Genival Bezerra, desde a morte de Emanoel a polícia havia ficado atenta para possíveis ânimos acirrados pelas famílias em Batalha, mas clima aparentava total tranquilidade. “Desde aquele momento ficamos monitorando [a situação], mas os retornos que tivemos eram de que estava tudo calmo, até demais. Aí infelizmente ocorre isso, num lugar de grande movimentação, ao meio-dia”, afirmou.
“Foi a pessoa mais errada do mundo que mataram”
O filho de Neguinho Boiadeiro, José Anselmo de Melo, conhecido “Preto Boiadeiro”, diz que a família não tem dúvidas de quem ordenou a morte de seu pai: a prefeita de Batalha, o marido dela e um policial que é filho de uma das vítimas do crime praticado pelo seu primo.
“Não é suspeita, tenho certeza. Eles queriam atingir a família Boiadeiro, e meu pai era o mais dócil, o que andava só. Mataram para atingir a gente”, afirmou ao UOL durante o velório do pai.
“O que ocorreu: um primo meu matou um pessoal deles em 2006, e eles mataram meu primo. Nós nunca imaginávamos que iam pegar meu pai, que nunca fez mal a ninguém. Foi a pessoa mais errada do mundo que mataram”, disse.
O delegado Cícero Lima, que coordena a comissão de delegados nomeada para investigação dos crimes, afirmou que a disputa familiar é apenas uma das linhas de investigação e que somente ao fim da apuração poderá apontar autores materiais e intelectuais do crime. “Estamos trabalhando duro, ouvindo depoimentos, mas para crime de assassinato é difícil pessoas testemunharem. Mas por ora nenhuma linha pode ser descartada”, explicou.
Para a família, por envolver políticos influentes locais, o caso deveria ser federalizado. A SSP informou que está descartada essa hipótese e que uma comissão de delegados vai investigar o caso.
Além disso, “Preto Boiadeiro” diz temer novas mortes. “A gente tem propriedade em Batalha, tem animais, não podemos deixar a cidade; mas também não vamos esperar morrer. Estamos confiando que a Polícia Federal entre no caso, ou que o governador tome as providências. Tem que prender os três. Queremos que a paz reine, que isso se acabe. Mas, se a PF não entrar e se não prender eles, não sei como vai ser, porque eles vão querer matar mais gente”, afirmou, citando que “nós já sabíamos que ele ia matar um dos nossos, sempre falávamos disso nos nossos encontros”.
A empregada doméstica do vereador Neguinho Boiadeiro afirmou que nunca ouviu qualquer relato de ameaça contra ele. “Era uma pessoa pacata. Não sabia, nem ouvi nada de que queriam pegar ele. Ele não gostava de confusão. Vamos sentir muita falta dele. Queremos paz, Batalha é pequena e não pode viver assim nessa violência toda”, relatou, aos prantos.
O presidente da Assembleia, Luiz Dantas, foi procurado pelo UOL e afirmou, por meio de sua assessoria, que a família está abalada, prefere ficar resguardada e não se pronunciar neste momento, aguardando o andamento das investigações. “Confio na polícia, no governo e na Justiça do meu Estado, no sentido de elucidar os fatos criminosos e punir seus responsáveis na forma da lei”, disse o deputado em nota no sábado.
A reportagem também foi à sede da Prefeitura de Batalha, mas o prédio estava fechado. Na casa da prefeita, Marina Dantas, havia apenas policiais circulando pelos arredores.
“Vamos mostrar que a lei é maior”
O promotor Luiz Vasconcelos foi designado pelo MP (Ministério Público) de Alagoas para acompanhar as investigações do caso. Atuando no órgão e na área criminal há 31 anos, diz que já conhece a disputa das famílias Dantas e Boiadeiro. Relata, inclusive, que ela nasceu antes da morte de José Miguel Miguel Dantas, em 1999.
“Antes disso eles já tinham esse problema. Desde que comecei no MP já havia rusga de família. Não se sabe explicar por que começou. Vários casos passaram por mim ao longo da minha carreira.”
O promotor preferiu não avaliar qual o tamanho da disputa e diz que espera que o poder público dê uma resposta forte e rápida. “Mensurar se é [uma disputa] grande ou pequena não é fácil, mas o fato é que ela já vitimou os dois lados. A gente pensou que tinha ultrapassado isso, não sei a motivação atual para acirrar esses ânimos, mas vamos mostrar para os dois lados que o lado da lei é o maior. Para isso vamos desvendar quem cometeu os crimes e os levar a julgamento. Mas precisamos de ajuda dos dois lados”, afirmou.
Coronel diz que cidade “não pode virar bangue-bangue”
Coordenador da operação de ocupação de Batalha, o comandante do Policiamento de Área do Interior, coronel Walter do Valle, disse que o efetivo policial na cidade foi aumentado em dez vezes, saltando de cinco para 50 militares. A ocupação, diz, é por tempo indeterminado.
Valle afirma que a grande presença policial é para evitar mais violência. “Conversamos com os dois lados”, disse, criticando a acusação da família da vítima. “O que a família disse é inconsequente, porque dá margem a todo mundo se armar. E não podemos deixar que fiquem nessa de achar que um fez uma coisa e vingar. Aqui não pode virar um bangue-bangue. Já viramos essa página dessa história, e a polícia está aqui para isso”, afirmou.
Nas ruas da cidade, poucas pessoas circulavam, mesmo com o vaivém dos carros policiais.
Pelas redes sociais, boatos de ataques, incêndio ao prédio da prefeitura e tiros disparados nas ruas circulavam e tornavam ainda mais apreensiva a saída das pessoas. As escolas públicas não tiveram aulas.
Entre os moradores, o clima é de apreensão absoluta. “Ninguém podia imaginar uma coisa dessas. No domingo [5] mataram duas pessoas, e agora esses casos. Todo mundo fica com medo até de sair na rua”, disse uma moradora de 52 anos que nasceu e sempre morou em Batalha, mas não quis se identificar.