Juiz manda prefeito cancelar show de R$ 70 mil e cita “risco crítico” de escola desabar no Piauí
Carmo Neto em 19 de dezembro de 2022
O juiz Rodolfo Ferreira Lavor Rodrigues da Cruz, da Vara Única da Comarca de Marcos Parente – PI, concedeu na manhã desta segunda-feira (19) liminar a pedido do Ministério Público do Estado do Piauí (MP-PI), no âmbito de uma ação civil pública, e determinou o cancelamento do show de Washington Brasileiro que aconteceria no dia 28 de dezembro, no aniversário da cidade.
De acordo com o magistrado, o Ministério Público alegou que o prefeito Gedison Alves Rodrigues contratou o artista com “sobrepreço” – e de maneira desproporcional “entre os custos do evento com a situação econômica e financeira do município de Marcos Parente/PI” – no importe de R$ 70.000,00. O juiz analisou que “o preço constante no contrato, se comparado ao praticado em outros municípios, está muito além daqueles praticados no mercado”.
Ainda segundo o juiz, há um outro ponto relevante e contraditório para quem almeja bancar a festança, uma escola corre o “risco crítico de desabamento da cobertura”.
“Há, ainda, no Município de Marcos Parente, diversos serviços públicos de caráter essencial que estão em situação de deficiência em sua prestação, a exemplo da situação calamitosa em que se encontram alguns prédios escolares, como a Unidade Escolar Manoel Montório, que apresenta risco crítico de desabamento da cobertura, bem como a existência de vias públicas ainda não pavimentadas ou calçadas”.
O magistrado também citou que foram colacionadas aos autos “informações referentes à deficiência na prestação de serviço público em relação às ações de proteção e amparo às crianças e adolescentes, ao ponto do próprio Órgão Ministerial precisar apurar, por procedimento interno/extrajudicial, as condições de funcionamento do Conselho Tutelar local”.
“Nessa trilha, pelas informações trazidas aos autos pelo Parquet, verifica-se que o mínimo necessário à população ainda não está sendo oferecido a contento, ante a ausência de infraestrutura para as escolas do município, ausência de investimentos maciços para o desenvolvimento social, entre outros, o que denota uma clara demonstração da necessidade de razoabilidade na aplicação dos serviços públicos e, principalmente, das verbas públicas, cabendo à Administração Pública Municipal zelar diuturnamente pela eficiência e eficácia, sobretudo em relação ao uso daquelas, preferencialmente se utilizando de estratégias e ações para o alcance das necessidades básicas e prioritárias da população”, acresce a decisão.
Rodolfo Ferreira Lavor Rodrigues da Cruz sustentou ainda que há “suspeita de irregularidades nos gastos com a organização do show” e afirmou que “empregar verbas públicas em evento dessa natureza, em detrimento de serviços públicos essenciais de atribuição do município, contraria a eficiência no trato com a coisa pública, causando lesão à ordem pública e à economia administrativa”, em tom de alerta à gestão do prefeito Gedison Alves Rodrigues.
Na decisão liminar foi determinado que seja “revogado imediatamente eventuais alvarás (ou quaisquer outros atos administrativos com idêntico efeito autorizativo) expedidos para a realização do específico evento musical” e “que não se realize qualquer pagamento atinente ao contrato firmado, inclusive gastos acessórios como montagem de palco especial, iluminação, som, recepção, alimentação, hospedagem, abastecimento de veículos de artistas ou pessoal de apoio, dentre outros, para a apresentação em questão, sob pena de aplicação de multa pessoal, em caso de realização da apresentação ora suspensa, no montante de R$ 200.000,00 (duzentos mil reais)” ao prefeito Gedison Alves Rodrigues.
Também foi determinada pela autoridade judicial a “expedição de ofícios à Polícia Militar e à Polícia Civil, com informação acerca desta decisão, com o propósito de conhecimento, fornecimento de apoio ao cumprimento das medidas, bem como efetiva fiscalização do cumprimento desta”.
Segundo o Ministério Público, a contratação ocorreu através da empresa WR Produções Artísticas e Musicais LTDA, no valor global de R$ 70.000,00, realizada por meio de contratação direta/inexigibilidade de licitação, nos termos previstos no art. 25 da Lei de Licitações.
O MP destacou que o município, aparentemente, deixou intencionalmente de prestar as informações, mesmo após a primeira solicitação oficial a respeito da programação dos festejos de aniversário de Marcos Parente/PI, “parecendo, inclusive, ter postergado a publicação do contrato no Diário Oficial dos Municípios”.
A Promotoria de Justiça de Marcos Parente/PI chegou a emitir recomendação ao município, visando a suspensão da contratação de Washington Brasileiro, o que não foi acatado.
Diante da recusa em atender a recomendação, requereu a tutela de urgência para que fosse determinada a suspensão da contratação e a não realização do show do artista “diante dos altos valores a serem pagos em decorrência da referida contratação e inobservância de prescrições legais quanto à contratação”.
O magistrado autor da decisão ainda determinou ao município de Marcos Parente “que adote todas as providências, no prazo de 24h (vinte e quatro horas), a contar da intimação, para fazer constar, na página principal do seu sítio eletrônico, aviso de cancelamento do show, a fim de conferir a publicidade necessária à população local, a qual, legitimamente, possui o direito de ser informada dos atos de interesse público”.
Fonte: 180 graus