Combate sangrento no Piauí ajudou a consolidar Independência há 200 anos
Carmo Neto em 13 de março de 2023
Um dos episódios mais importantes para a consolidação da Independência do Brasil e manutenção da unidade nacional aconteceu nas margens de um rio. Não foi o Ipiranga, e suas margens não estavam plácidas no dia 13 de março de 1823.
O entorno do rio Jenipapo, curso de água que corta as planícies de Campo Maior, interior do Piauí, foi palco de uma das lutas mais sangrentas do período da Independência, opondo brasileiros e portugueses no campo de batalha.
De um lado, estava um Exército organizado e bem armado de portugueses que tentavam manter o domínio de Portugal nas províncias do Norte do Brasil. Do outro, milícias brasileiras organizadas às pressas que lutaram com facas, foices, machados e um canhão enferrujado.
Com vitória dos portugueses, a Batalha do Jenipapo deixou um saldo de centenas de brasileiros mortos, mas representou um revés para a resistência de Portugal, que tentava manter o domínio das províncias do Norte brasileiro após o grito de dom Pedro nas margens do Ipiranga.
O embate no Piauí aconteceu em meio a uma escalada de animosidades entre os portugueses e brasileiros que vinha desde antes da Independência.
As Cortes Gerais e Extraordinárias da Nação Portuguesa, que exigiam o retorno do Brasil à condição de colônia de Portugal e a retomada das restrições ao comércio suspensas com a abertura dos portos, nomearam militares portugueses como novos governadores de armas das províncias brasileiras.
No Piauí, o escolhido como governador de armas foi o major português João José da Cunha Fidié. Ele desembarcou na província em agosto de 1822 com a missão de mantê-la sob domínio português.
A província era considerada estratégica por ser uma espécie de porta de entrada para as províncias do Norte, especialmente Maranhão e Grão-Pará, onde os portugueses tinham prestígio dentre as elites locais.
Também havia uma importância econômica: nesta época, o Piauí tinha uma pecuária pujante, com um dos maiores rebanhos de bovinos do país, e era um dos principais fornecedores de carne seca do Norte e Centro-oeste, sendo suplantado apenas pelo charque do Rio Grande do Sul.
A proclamação da Independência, contudo, movimentou as elites do Piauí, que declararam apoio ao Brasil independente da coroa portuguesa. A notícia chegou primeiro na vila de Parnaíba, onde predominava o grupo político liderado pelo comerciante Simplício Dias, que anunciou apoio a dom Pedro.
A adesão de Parnaíba ao Brasil independente motivou uma marcha liderada por João José da Cunha Fidié, que levou tropas à vila para sufocar o movimento de apoio a dom Pedro.
A marcha para o litoral, contudo, desguarneceu a vila de Oeiras, então capital da província. Foi justamente neste momento que o brigadeiro Manoel de Souza Martins, que representava a elite econômica ligada à pecuária e havia sido alijado pelas Cortes de Lisboa, também declarou apoio à Independência.
Quando as tropas lideradas por Cunha Fidié chegaram à Parnaíba, os apoiadores da Independência haviam fugido para o Ceará, onde organizaram uma milícia para enfrentar os portugueses.
Os desencontros tiveram fim no dia 13 de março de 1823, quando brasileiros e portugueses se encontraram na vila de Campo Maior, hoje uma cidade de 47 mil habitantes a 80 km de Teresina.
As margens do rio Jenipapo foram palco de uma batalha desigual. Foram cerca de 1.600 soldados das tropas portuguesas, armadas com 11 canhões e lideradas por oficiais experientes.
Do outro lado, estava uma milícia precária, formada às pressas, com cerca de 2.000 homens do Piauí e Ceará. Em sua maioria, eram vaqueiros e trabalhadores rurais, arregimentados por líderes políticos locais, além de indígenas e negros libertos.
A Batalha do Jenipapo durou cinco horas: começou por volta de 9h e seguiu até as 14h, deixando um saldo de 36 mortos do lado português e entre 200 e 400 mortos nas tropas brasileiras.
“A batalha foi trágica, foi uma derrota para os independentistas. Mas foi uma também ‘vitória de Pirro’ para os portugueses, que tiveram perdas em sua logística”, avalia o historiador Johny Santana de Araújo, professor da Universidade Federal do Piauí.
Ele afirma que a batalha minou a logística da tropa portuguesa, que optou por não perseguir e sufocar os soldados independentistas. A ideia era reagrupar forças e voltar a Oeiras para derrubar os aliados de dom Pedro na capital.
O Exército ficou acampado na fazenda Tombador, seguiu para a vila do Estanhado e depois seguiu para Caxias, no Maranhão, onde houve um princípio de rebelião entre soldados portugueses.
Ao mesmo tempo, os independentistas da capital organizavam suas tropas e recebiam reforços do Ceará, Pernambuco e Bahia, chegando a perto de 22 mil soldados arregimentados.
O reforço também veio pelo mar. Depois de expulsar os portugueses da Bahia, escorraçando o Exército liderado por Madeira de Melo, a esquadra do almirante escocês Thomas Cochrane desembarcou em São Luís e fez com que a junta governativa, sob a mira de canhões, jurasse lealdade a dom Pedro.
Para Araújo, a Batalha do Jenipapo foi fundamental para garantir a unidade nacional e também foi importante para forjar no estado um sentimento de piauiensidade. Ainda assim, permaneceu como um episódio obscuro na historiografia brasileira, sendo pouco conhecido fora do Piauí.
“A Batalha do Jenipapo é um evento muito importante na história do Brasil, mas é esquecido, como todo o contexto do processo de Independência ocorrido no Norte. Isso muito por conta da forma como a historiografia oficial tentou amansar a ideia de que houve conflito”, avalia Araújo.
Nesta segunda-feira (13), os 200 anos da Batalha do Jenipapo serão celebrados em Campo Maior, no Piauí. A cidade abriga um monumento, um museu e um cemitério nas margens do rio.
Neste campo santo despido de adornos e mausoléus, estão enterrados os restos mortais dos brasileiros anônimos que morreram em batalha, cercados por pedras e cruzes de madeira. O cemitério do Batalhão é considerado patrimônio nacional e foi tombado em 1990.