O meio-campo do Flamengo ganhou em 2015 um cão de guarda daqueles. Com muita garra e muita disposição, o volante Jonas tem se destacado na marcação e na proteção à zaga. A vontade é tanta que o bote, normalmente certeiro, às vezes vem exagerado na força, o que ele está aprendendo a controlar com a ajuda de Vanderlei Luxemburgo. O piauiense ainda é diferenciado por ter bom nível no passe e no chute. Não à toa ganhou a titularidade com pouquíssimo tempo de casa, deixando nomes como Cáceres e Márcio Araújo no banco. O mais incrível em Jonas é a forma de pensar: chega a ser obcecado por roubar a bola do adversário.
– Quando o time perde a bola, gosto de roubar, dar para os meus companheiros. Eu jogava dessa maneira no Sampaio Corrêa. Gosto de roubar a bola e entregá-la para meus companheiros. Não consigo ver meu time sem a bola. Perdi, já quero tomar. O excesso de vontade é tão grande que o cara quer tomar a bola direto e acaba fazendo falta. Gosto mesmo de jogar nessa posição.
Outro fator que faz Jonas se destacar é a simplicidade. Mesmo após ter virado jogador do Flamengo, ele preferiu se manter “escondido” e não comprou um daqueles carrões, que no Ninho do Urubu existem aos montes. Desde a escolinha do falecido treinador José Nunes em Teresina, passando por Fluminense-PI, Piauí, Comercial-PI e Sampaio Corrêa-MA até chegar ao Rubro-Negro, nada mudou na personalidade do volante de 23 anos. Ostentar? Nem pensar!
– Ser jogador de time grande não vai mudar minha humildade. Depende de cada um, né? Tem cara que deixa o sucesso subir à cabeça. Eu não, porque sei que bens materiais acabam. Não vou mudar nunca. Sempre vou ser essa pessoa simples.
Para um cidadão pacato como Jonas, viver no Rio de Janeiro assusta. Morando com a esposa no Recreio dos Bandeirantes, ele é bastante caseiro e só sai de casa para treinar, ir à igreja evangélica, a um restaurante ou no máximo ao cinema. A timidez, no entanto, foi embora nesta entrevista aoGloboEsporte.com, onde relembrou a polêmica entrada em Gilberto, do Vasco, o quase acerto com o Corinthians antes de fechar com o Flamengo, falou sobre a expectativa de disputar a Série A do Brasileirão pela primeira vez, entre outros assuntos. A seguir, leia na íntegra o bate-papo realizado em Atibaia-SP durante intertemporada do clube da Gávea.
GloboEsporte.com: Explica para o rubro-negro que não acompanha todos os jogos do time e ainda não te conhece direito. Quem é Jonas?
Jonas: É um cara que sempre quis vencer na vida, aguerrido, que quer dar o melhor quando entra em campo. Às vezes acaba até, pela vontade… Como aquele lance com o Gilberto. Nem olhei para ele e, pela vontade, acabou acontecendo aquilo. Até liguei para ele depois para pedir desculpas. Mas no jogo seguinte já demonstrei que não sou aquele cara que as pessoas estavam falando, colocando faixa de UFC e tudo. Fui lá e nem tomei amarelo. O Jonas é um cara que se dedica todos os dias, com muito empenho e força vontade para vencer.
Por que você resolveu tentar a vida no futebol?
Todos falavam para mim que eu tinha potencial, para não desistir, para ir em frente que iria conseguir. O meu bairro tinha muita droga, muita criminalidade, mas eu insisti e graças a Deus consegui. Deus me presenteou com essas belas atuações que venho tendo, assim como tive no Sampaio. Por isso a galera até colocou o apelido de Schweinsteiger, e não vejo maldade nisso, é folclore do futebol, faz parte. Claro que não vou me comparar ao Schweinsteiger, estou só começando, e se Deus quiser um dia vou chegar no nível dele. A gente está no caminho certo.
Em meio aos carrões dos jogadores no estacionamento do Ninho do Urubu, o seu é talvez o mais simples, apesar de não ser um carro considerado popular. Isso passa um pouco da sua humildade e da sua simplicidade. O mundo do futebol, nesse ponto, não vai te pegar?
Não vai. Ser jogador de time grande não vai mudar minha humildade. Depende de cada um, né? Tem cara que deixa o sucesso subir à cabeça. Eu não, porque sei que bens materiais acabam. Não vou mudar nunca. Sempre vou ser essa pessoa simples.
Muitos jogadores hoje gostam de ostentar. É uma coisa que você jamais vai fazer?
Eu não. Até porque sou evangélico, sirvo a Deus. Mas também não sou contra quem faz isso. Cada um vive sua vida à sua maneira. Eu conheço Deus, então vivo de forma totalmente diferente. No dia em que eles conhecerem, tenho certeza de que vão pensar assim também. Se a gente não tiver cabeça, vai para o caminho da perdição. Sai, chega cansado, e nosso trabalho exige muito do corpo. Se passar uma noite virado na rua bebendo, dançando, vai ficar cansado, não vai aguentar treinar no dia seguinte, vai chegar mal, e isso vai te prejudicar.
Como é sua rotina no Rio de Janeiro?
Sou um cara mais caseiro. De casa para o treino, para a igreja. No máximo vou para uma churrascaria. Ainda não tive tempo de visitar os pontos turísticos. Até tive quatro dias de folga (após a classificação na Copa do Brasil), mas fui passar com a família, fui almoçar lá com mamãe e papai. Sabe como é, o tempero é diferente (risos).
Para um cara pacato como você, o Rio assusta um pouco?
Assusta porque oferece muitas coisas. É como São Paulo, as coisas vão muito fácil. Isso assusta um pouco. Mas como sou um cara tranquilo e equilibrado, acho que isso não vai me afetar em nada.
Você quase fechou com o Corinthians antes de vir para o Flamengo. Por que o negócio desandou?
Estava tudo aprovado, tudo ok, estavam esperando o presidente ganhar a eleição. O Mário Gobbi disse que não me queria e também não queria o Dudu (que foi para o Palmeiras). Só que a minha contratação não foi aprovada por ele, e sim pelo presidente que está agora (Roberto de Andrade). Ele (Roberto) me pediu para esperar até ele ganhar a eleição, que aí seria certeza. Mas a gente, como jogador de futebol, não pode esperar. A gente tem família e quer trabalhar. Quando o jogador fica muito tempo parado, acaba ficando gordo, perdendo preparo. Apareceu a oportunidade do Flamengo e não pensei duas vezes, até porque é meu time de coração. Sempre assistia aos jogos lá em casa, chorava, e graças a Deus hoje estou aqui.
Com quem tem mais afinidade no elenco do Flamengo?
Os caras são todos gente boa, mas o cara com quem tenho mais afinidade é o Márcio Araújo. Às vezes vou na casa dele. Ele é do Maranhão, e conversei com ele antes de vir. Eu não conhecia os outros jogadores, e o único que poderia me dar uma assistência era o Márcio. Um colega meu do Sampaio é colega do Márcio, e pedi para esse colega ligar e pedir para o Márcio me dar uma força na chegada. Nós conversamos por telefone, depois eu o conheci pessoalmente quando cheguei. Ele me dava carona. O Márcio é o mais próximo de mim, mas o grupo do Flamengo é maravilhoso. Não tem vaidade. Todo mundo briga por posição, mas é aquela briga sadia. Todos se apoiam.
O que aquele gol – bonito, por sinal – contra o Fluminense representou na sua carreira?
Rapaz, no momento a ficha nem tinha caído. Não sabia nem como comemorar. Primeiro agradeci a Deus, depois corri e agradeci de novo. É o sonho de todo jogador fazer gol em clássico, principalmente num Fla-Flu. E se prestar atenção, vai ver que foi a mão de Deus. A bola estava indo para a mão do goleiro (Diego Cavalieri), mas de repente ela fez um desvio. Pensei em chutar só para acertar o gol, e a bola acabou entrando. Até chorei, porque estava voltando de lesão no tornozelo. Fiquei feliz demais. No outro dia ainda estava meio bobo pelo gol. Foi bom demais poder ajudar minha equipe a sair com a vitória.
No primeiro jogo da semifinal do Carioca contra o Vasco, você fez falta duríssima no Gilberto, tomou o cartão amarelo e foi substituído pelo Luxemburgo com apenas 18 minutos. O que ele te falou na saída?
Ele falou: “Fica tranquilo. Se eu não te tirar, você vai ser expulso, porque o juiz está mal intencionado”. Achei tranquilo. Até parece que vou ficar com raiva do Luxemburgo, um cara que venceu por onde passou. Quem me dá um conselho desse quer meu bem.
Saindo de campo, o que passou pela sua cabeça? Reconheceu o erro na hora?
Fiquei chateado comigo mesmo, porque era um jogo importante, que todo jogador quer jogar. Fui muito exagerado na vontade. Não foi imprudência, foi vontade demais. Olhei a bola, ele também, e cheguei com o pé alto. Graças a Deus pegou só a ponta da chuteira. Se pega no meio seria pior.
Você sente que pega pesado às vezes ou aquele foi um caso à parte?
Foi à parte, não sou um jogador maldoso. Falaram muito mal de mim, então o cara tem que ter o psicológico muito equilibrado.
A repercussão negativa te abalou?
Fiquei meio tenso, com medo de ser expulso nos jogos seguintes se chegasse duro, não vou mentir. O cara fica chateado. Mas graças a Deus o professor conversou muito comigo. A gente aprende errando. Serviu de lição. O professor falou para mim: “Você é forte, tem recuperação boa, então não precisa chegar muito forte. Você consegue roubar a bola sem fazer falta. Vai mais devagar. Se você melhorar isso, vai crescer cada dia mais”. Peguei isso para mim. Tem que ser um cara tranquilo porque vai viver sempre uma nova experiência.
Temeu ficar marcado como um jogador violento?
Fiquei com medo de ficar marcado. O professor disse que, se não fosse mais devagar, ficaria marcado como jogador violento e os árbitros começariam a pegar no meu pé. Então, estou me aprimorando nos treinamentos. Claro que não vou deixar de ter minha característica, que é a pegada, chegar forte, roubar a bola, mas vou melhorar no decorrer do tempo. Sempre quero vencer. Dou a vida ali porque quero vencer. Às vezes essa vontade acaba atrapalhando um pouco, e acabo tomando amarelo. A gente vai aprendendo.
E esse apelido que o Luxa te deu, “Sarará”, aprovou? Você nem tem cabelo crespo, na verdade.
Tranquilo, tranquilo (risos). A gente sabe que futebol é isso, é resenha. Não tenho problema, pode me chamar do que quiser, de Sarará, de Schwensteiger. Não fico chateado. Os caras brincam comigo direto, o coração é sempre bom.
O que acha de, apesar do pouco tempo de Flamengo, ser reconhecido como um cão de guarda do time?
Muito legal. É muito bom ter esse carinho do torcedor. Isso não vai subir na minha cabeça, vai só me incentivar a melhor cada dia mais. Quando a gente entra em campo, só quer dar a vitória ao Flamengo, sabendo da grandeza que o clube tem. Para falar a verdade, a ficha ainda não tinha caído mesmo depois de chegar aqui. Eu passaria a ver os caras de quem sou fã, como Everton e Alecsandro. E hoje posso conviver com eles. Graças a Deus tenho a oportunidade de jogar de titular.
Seleção brasileira já passa pela sua cabeça ou só pensa no Flamengo?
Só penso no Flamengo. As coisas vão acontecendo naturalmente. Não adianta estar com aquele pensamento de ir para a seleção brasileira e acabar fazendo as coisas erradas. O pensamento tem que estar aqui. Fazendo as coisas corretas no Flamengo, jogando um grande futebol aqui e dando o meu melhor, as coisas vão acontecer naturalmente.
Você está prestes a disputar sua primeira Série A do Brasileirão. Dá frio na barriga, por ser uma vitrine tão grande?
Creio que sim. Nesses dias ainda não, até porque a gente já teve a experiência de jogar contra Fluminense, contra Vasco, contra Botafogo. Isso diminui mais, por ter enfrentado time grande. Mas pode dar um frio ali nos primeiros 10 ou 15 minutos de jogo. Nada que vá atrapalhar o bom desempenho e a dedicação.
Você acha que rende mais como primeiro volante mesmo? Ou de repente como segundo volante?
Eu me encaixo mais de primeiro volante. Quando o time perde a bola, gosto de roubar, dar para os meus companheiros. Eu jogava dessa maneira no Sampaio Corrêa. Gosto de roubar a bola e entregá-la para meus companheiros. Não consigo ver meu time sem a bola. Perdi, já quero tomar. O excesso de vontade é tão grande que o cara quer tomar a bola direto e acaba fazendo falta. Gosto mesmo de jogar nessa posição.
De onde vem essa sede por roubar a bola? Normalmente o jogador gosta mais de marcar gol, dar uma assistência, um drible.
Acho que é da vontade. Gosto de estar ali, à frente da zaga, marcando. Gosto de marcar e roubar a bola. Às vezes, quando tem oportunidade de escapar e chutar para o gol… Mas fico do meio para trás, só ajudando e dando o primeiro bote, que é para a bola chegar um pouco espirrada nos zagueiros. O professor pede, e obedeço.
Se tiver que escolher entre roubar 10 bolas ou então marcar um gol, mas sem ir tão bem na marcação, qual você preferiria?
Roubar 10 bolas no jogo, melhor. Gol é consequência. A princípio prefiro roubar a bola.
Até aonde o Flamengo pode chegar no Campeonato Brasileiro? O time está preparado para brigar lá em cima?
Com certeza. Se Deus quiser, a gente vai ser campeão do Brasileirão. Jogador não pode pensar que vai ficar embaixo. Tem que pensar em títulos. Tenho certeza que nosso time está no caminho certo. Nós vamos conseguir uma vaga na Libertadores e ser campeões desse Brasileiro, em nome de Jesus.
O Flamengo estreia no Brasileirão neste domingo, às 16h, contra o São Paulo, no Morumbi.
Fonte: Globo Esporte