Como os piauienses vivem o luto pela vítima do estupro em Castelo
Um sentimento de fracasso paira em cada roda de conversa no Piauí.
Cleiton Jarmes em 08 de junho de 2015
Um sentimento de fracasso paira em cada roda de conversa no Piauí. O fracasso tem gosto amargo e um gole dele é capaz de provocar ebulições de angústia. Ele se intensifica com o avanço dos detalhes sobre a história das quatro meninas estupradas na cidade de Castelo do Piauí, localizada a 199 Km de distância de Teresina.
A cada frase dita (“o estado de saúde delas está pior”, “estão inconscientes”, “tiveram afundamento no crânio”), um prego enferrujado entra no peito de quem ouve. O sangue derramado não tem lamento, tem ódio.
Já passamos pela primeira fase do luto, aquela em que negamos a existência do problema. Quando circularam as primeiras informações, rebatemos internamente com a força de quem queria acreditar mesmo sabendo da fragilidade que a realidade teima em jogar na nossa cara: “Elas vão se recuperar logo, será superado”.
A dor de todo dia: 500 mulheres são estupradas anualmente no Piauí
Com a prisão dos menores de idade e os detalhes sádicos do crime, pulamos para a fase dois do luto: raiva, muita raiva. Inconformados e alvos do que consideramos injustiça com as meninas e as famílias, só queremos que os acusados paguem. A moeda? Poderia ser até a própria vida, dizemos com uma faca na mão e fogo nos olhos.
Agora, estamos na transição para a terceira fase de luto: a negociação. Tentar entender de onde vieram os garotos que cometeram o crime, refletir sobre as punições para o estupro e compreender até onde vai a Justiça no caso de menores infratores. Precisamos saber o que o Estado vai fazer, que passos dará para que não se repita o que nem cogitamos suportar de novo.
Como as famílias pobres e ricas podem evitar as armadilhas do abandono social e sentimental para criar cidadãos e não futuros criminosos? Que barreiras derrubar para que o machismo também caia e leve com ele todos os julgamentos morais e subjugações advindas da diferença de gênero?
O desejo agora é que a última fase, a da aceitação do rumo das coisas, não seja confundida com o conformismo. Que a gente não passe para a comoção da próxima tragédia como quem vira uma página e nunca mais volta. Mesmo incorporando a compreensão de quais são as nossas possibilidades e limitações como sociedade, não devemos perder o ímpeto de questionar e tentar mudar. Engolir o fracasso, como quem toma um remédio amargo mas necessário, é essa a dor que devemos passar se quisermos fazer justiça pela morte de Danielly.
Fonte: O Olho