Cão amputado inspira projeto para ajudar animais de rua no Piauí
Tudo começou quando Felícia fez uma cadeira de rodas improvisada para Bob, que morava com sua antiga tutora em Timon, no Maranhão.
Cleiton Jarmes em 15 de junho de 2016
Para os incrédulos no poder de transformação do amor, a história da Felícia e do cão Bob é a mais verdadeira prova de que isso existe, sim! O cãozinho teve uma das patas amputadas após um acidente doméstico. Sem dinheiro para pagar o tratamento do cachorro, a fotógrafa usou a criatividade para conseguir custear os gastos médicos. Mas a ideia não parou, e ela transformou a ideia de ajudar o animal em um projeto bem maior em prol de outros bichinhos que vivem nas ruas.
Tudo começou quando Felícia fez uma cadeira de rodas improvisada para Bob, que morava com sua antiga tutora em Timon-MA. Após um atropelamento, o cãozinho ficou com sequelas na coluna vertebral e andava com dificuldades.
“A antiga tutora o resgatou após ele ser atropelado. Ela disse que após o acidente, o Bob foi deixado em um matagal e provavelmente morreria, porque precisaria de cuidados. Através das redes sociais, eu conheci a história dele e resolvi confeccionar uma cadeira de rodas. Nunca tinha feito uma e me inspirei em algumas que vi na internet. Tenho muitas habilidades artesanais e me arrisquei a fazer uma cadeirinha com canos PVC. Após uns dias, a antiga tutora dele, disse que não tinha mais condições de criá-lo e eu me dispus a dar um lar temporário para o Bob, mas acabei ficando com ele”, relembra a fotógrafa Felícia Mendes.
Até chegar a ser amputado, Bob sofreu um outro acidente, desta vez, na casa da Felícia. Ele se machucou ao correr atrás de um gato. Nisso, acabou ferindo uma das patas. O ferimento evoluiu para uma necrose e em seguida amputação.
“Quando ele veio morar comigo, ele já era deficiente, mas tinha apenas uma limitação no andar. Já após o acidente doméstico, ele teve que amputar a perna, mas não foi descuido da minha parte, quando eu percebi, ele já tinha corrido atrás do gato e se machucado. Cuidei dele, mas não consegui evitar a necrose. Todas as pessoas que têm animais que são deficientes e não fazem o uso da cedeira de rodas, sabem que eles se machucam por qualquer coisa, porque caminham de uma forma errada, são descuidados”, explica a fotógrafa, que também é ilustradora e slow designer.
@parabob
De cão pré-destinado a morte, Bob virou garoto-propaganda do projeto @parabob. Hoje, o cãozinho (que como a mãe dele diz: rir para as fotos), estampa chaveiros, toys. Nos objetos, o cachorro é retratado em várias situações e versões, encarnando vários personagens, artistas como Frida Kahlo, imagens religiosas como São Francisco e Iemanjá, e até cantores.
Fotos: Felícia Mendes
“O primeiro desenho dele foi o Bob tradicional (ele sentadinho, com a perna para frente, sorrindo e de fraldas) mas depois eu pensei: será que vou agradar? não queria que as pessoas comprassem meu produto por pena dele ou só para ajudá-lo. Eu queria que as pessoas comprassem os chaveiros porque gostaram do produto”, disse.
Na primeira coleção do @parabob estão sendo lançados chaveiros e toys. Felícia adianta que pretender investir em outros produtos como estojos, camisas, mochilas, cadernos, bem como comercializar os produtos em uma loja virtual.
“Eu comecei a vender para pagar a dívida dele. Hoje em dia virou o @projetoparabob. Eu vi a aceitação das pessoas em relação a ele, por conta das ilustrações e por ser uma coisa bastante divertida, lúdica. As pessoas criaram uma simpatia muito grande por ele. Tem muita gente que me para na rua para perguntar se ele está bem. Eu percebi que a ilustração aliada à produção animal seria bastante eficiente. Então, eu enfie a cara e a coragem para fazer o projeto @parabob, para todos”.
Os chaveiros e toys comercializados são confeccionados, desenhados e pintados à mão. Parte da renda adquirida com a venda será destinada para pagar a cirurgia de amputação do Bob; a outra metade será investida dentro do atelier para custeio com a compra de materiais, divulgação e outros.
“O projeto é recente e consegui em média R$ 300 a venda de chaveiros. A dívida do Bob na clínica é de R$ 765″, reitera. O projeto acabou de existir. Recentemente, eu fiz o instagram para divulgar o projeto que vai ser muito grande e bonito. Eu ainda estou dormente com tudo o que está acontecendo. Sei que é só o início. É um projeto ousado. Só sei que me sinto bastante feliz e realizada quando faço a ilustração. Naquele momento, acho engraçado e fofo…acho que eu mesma tenho que ter todos e vou fazer uma coleção. Eu não sei se vai dar certo, se o Brasil (porque nós vamos fazer uma loja virtual) vai acolher a proposta, se as pessoas vão acreditar na gente”, vislumbra.
Cada chaveiro custa em média de R$ 15 a R$ 25, dependendo da arte. Já os toys- um espécie de chaveiro em tamanho maior- custa R$ 35. Os produtos podem ser adquiridos em bazares beneficientes, pela rede social @parabob ou através do telefone (86) 9 9992-0196.
Para Bob, para todos
O que era o projeto @parabob se transformou no projeto Para Bob, para todos. A renda adquirida com a venda também será utilizada para ajudar outros bichinhos de rua, não apenas animais com deficiência, mas que precisam de algum tipo de ajuda. Outro foco do projeto está voltado para a adoção.
“Quero ajudar outros animais que estão em situação delicada, que sofreram muito, que ninguém quis adotar… que está bastante machucado e com sequelas. Isso foi o que ocorreu com o Bob. Ninguém quer um cachorro deficiente. É muito difícil. Quero ajudar animais de difícil adoção. A ideia sempre foi pagar a conta do Bob, mas houve uma aceitação muito grande e eu vi nisso a possibilidade de ajudar outras pessoas. Estamos começando agora, mas com certeza vai atingir muitos animais, ajudar bastante. Na minha cabeça, não adianta apenas pagar a conta do animal e deixar ele sem adoção, sem um lar ou devolver para as ruas ou colocar em um abrigo, pois abrigos não são lares. Quero ajudar a vida dos animais, ressignificar e dá uma vida melhor para eles”, reitera.
História de vida
A história de superação de Bob se confunde com a história de vida da fotógrafa. Ela relembra que, quando criança, foi acometida por uma doença conhecida como febre reumática, que a fez ficar seis meses sem caminhar.
“Descobrimos a doença quando eu tinha cinco anos de idade. Cresci ouvindo os médicos dizerem que eu não ia caminhar, pois a doença não tem cura. Fiz tratamento dos cinco aos 21 anos de idade. Essa doença é provocada por uma bactéria que atinge o coração e as articulações. A febre reumática não me causou deficiência, mas fiquei seis meses sem andar”, desabafa.
E é neste sentido que a história de Felícia se confunde com a de Bob. Felícia conta que o cão também contradisse os médicos veterinários. Para mim, ele é sinônimo de persistência.
“Quando ele fez a cirurgia, o médico me disse: olha, você não se preocupe se o Bob chorar, porque é uma cirurgia delicada e que dói muito. É uma amputação. E eu disse: olha, meu cachorro não chora, ele não vai chorar. E quando eu fui dar o retorno, o doutor perguntou se o Bob tinha chorado muito e eu respondi: em nenhum dia, em nenhum momento, meu cachorro chorou. O Bob nunca chorou na vida. Ele é cachorro muito persistente e representa muita alegria. Eu aprendi muito com a persistência dele. Eu sou portadora de febre reumática e passei minha vida inteira ouvindo que eu ia ficar de cadeira de rodas, que eu não caminharia. Hoje eu estou aqui, praticamente, com 24 anos e sou super saudável. Ele foi meu exemplo de persistência”, disse.
Arte que transforma
Atualmente, o ateliê é improvisado e funciona no próprio quarto de Felícia. “Tirei cama e outros móveis…deixei apenas algumas coisas que preciso para fazer os toys e chaveiros, desenvolver ilustrações”, reitera.
Por outro lado, as dificuldades com a estrutura física, não desanimam a fotógrafa que ainda não têm dimensão da importância do projeto.
“Ainda nem sei a importância do projeto para mim. Quando criança, todos me falavam que eu ia ser veterinária, mas sempre fui artista. Nunca soube, de fato, como ajudar os animais com a minhas habilidades e após o acidente do Bob eu vi uma oportunidade de ajudar não só meu cachorro, mas outros, através da ilustração. Não sei ainda o tamanho da importância que esse projeto vai ter em minha vida, mas já é uma emoção muito grande ter tido essa ideia, essa iniciativa, mesmo com medo e sabendo que vão haver dificuldades, uma vez que, as pessoas não são tão sensíveis à causa animal. O projeto é muito importante para mim como artista, ser humano e como tutora de um animal deficiente”, finaliza Felícia Mendes.
Fonte: Cidade Verde