Polêmica: Município piauiense registra desaparecimento de 22 jumentos
Carmo Neto em 14 de maio de 2022
Pelo menos 22 jumentos que viviam de forma errante em Cajueiro da Praia, município do litoral do Piauí localizado a 397 km de Teresina, sumiram durante o ano de 2021.
Denúncias em Luís Correia, Sobradinho, Baixa da Pedra, Barra Grande e outras localidades do litoral também foram registradas. Quase um ano depois, a população permanece pedindo justiça. Em abril, os furtos aconteceram novamente.
Investigação
Fernanda Faustino, empresária de Cajueiro da Praia, cobra uma investigação mais responsável. “Estamos desde 2021 tentando fazer a investigação andar. É muita insistência com o delegado Emir Maia. Nós passamos para a Polícia Ambiental toda a informação que chega para nós”, afirma.
Fernanda faz parte do Barra PETs, organização que protege os jumentos da Barra Grande.
“Os 22 jumentos que foram levados eram mascotes do vilarejo. Animais mansos que os turistas tiravam fotos e divulgam mundo afora. É importante preservar a cultura local. Os jumentos são animais inteligentes e sensíveis. Eles tinham nomes e a população domesticou, dando água e comida. Quando demos falta, começamos uma luta para identificar quem estava recolhendo esses animais”, acrescenta.
Abatedouros
De acordo com Dário Magalhães, membro do Conselho de Medicina Veterinária do Piauí (CRMV-PI), o que existem são suposições.
“No Nordeste existe suspeita da prática de abate de jumentos em abatedouros na Bahia para a exportação. Existe a possibilidade de que esteja levando de forma clandestina para lá. Essa prática de abate de jumentos existe no mundo faz tempo. No Piauí isso não existe”, esclarece.
O veterinário explica que a investigação do caso deve ser feita pela Polícia e o Ministério Público. Além disso, a Prefeitura Municipal de Cajueiro da Praia é a responsável pelos animais que andam em vias públicas. No caso do transporte irregular de animais, a fiscalização fica por conta da Agência de Defesa Agropecuária do Estado do Piauí (Adapi).
Polícia identifica suspeitos
De acordo com informações do delegado Emir Maia, que segue investigando o caso, um caminhão foi identificado envolvido na operação de furto dos jumentos de Cajueiro da Praia. “Em breve vamos ouvir o proprietário para saber se estão ainda na posse do veículo. Temos também a identidade de supostos envolvidos, mas os fatos precisam ser checados”, disse.
A reportagem também buscou informações com a Prefeitura Municipal de Cajueiro da Praia e a Agência de Defesa Agropecuária do Piauí (Adapi), mas nenhuma das autarquias públicas retornou às tentativas de contato do Grupo Meio Norte de Comunicação até o fim desta apuração.
Grande polêmica no litoral
O sumiço dos jumentos permanece como uma grande polêmica no litoral piauiense. Os protetores seguem a teoria de que os bichos são encaminhados para a morte.
“Esses animais são tratados de forma maldosa e cruel. Eles atravessam as divisas estaduais nesses caminhões fechados. Pelas denúncias se imagina que estão sendo mortos em abatedouros clandestinos, onde a carne e as cartilagens são usadas na indústria asiática de cosméticos e a alimentação”, denuncia Fernanda Faustino.
De acordo com Fernanda, os animais são negociados por atravessadores. “Eles pagam entre R$30 a R$50 para o morador, por cabeça. Imagina-se que no final esse valor chegue a números muito maiores. Aqui em Barra Grande prendemos no quintal de uma casa 13 animais e os mantivemos fechados por um mês para evitar os roubos. Conseguimos passar 8 meses sem ataques. Agora que os soltamos, em abril voltaram a acontecer. O delegado Emir Maia disse estar checando as placas que passamos à polícia através de filmagens”, relata.
Ainda em 2019, o PETA, organização internacional em defesa dos animais, pediu o fim do abate de jumentos para a exportação ilegal para a China. No país, a medicina utiliza as cartilagens e o couro do jumento para fazer uma espécie de gelatina, que é um composto utilizado para remédios para a menopausa e a anemia, por exemplo. A situação, totalmente fora dos contextos legais, prejudica a espécie que é um grande símbolo para o Nordeste.
Abate é ilegal e configura maus tratos
Dárcia Alencar de Sousa, presidente da Comissão de Proteção e Defesa dos Animais da OAB-PI, explica que a prática comercial de vender couro de jumento é ilegal.
“O abate de jumentos para retirada da pele traz um desequilíbrio ambiental desproporcional. Não se justifica matar um animal apenas por causa da pele. Os fins econômicos obtidos não se sobrepõem ao direito de se ter um meio ambiente equilibrado”, explica.
Crimes ambientais
A advogada define que “matar um animal para ‘aproveitar’ o couro é uma medida desarrazoada e injustificável. Além de uma prática cruel, abarca uma série de ações que podem configurar outros crimes ambientais, uma vez que esses animais não recebem um tratamento adequado desde a captura até o abate”, completa.
Dárcia explica que a prática acontece na Bahia e que no Estado existe um movimento para impedir este tipo de comércio.
“O que existe é o Projeto de Lei de Nº 24465/2022, proposto ainda esse ano, pelo deputado estadual José de Arimateia, para proibir o abate de jumentos. O projeto ainda está em tramitação, mas, uma vez sancionado, não terá aplicação no nosso estado, pois será uma lei estadual”, difere.
A presidente da Comissão da OAB-PI explica a necessidade cultural e ambiental dos jumentos. “Além de serem um símbolo da nossa cultura, eles recebem cuidados da população que habita aquela região. Furtar esses animais para destiná-los ao abate é um ato de crueldade e configura maus-tratos, também pela forma que essa comercialização vem sendo realizada”, define.
Campanha S.O.S. jumentos
Júnior MP3, militante da causa animal e diretor do Movimento pela Paz na Periferia (MP3), faz um apelo nas redes sociais para proteger os jumentos, que terminam atropelados nas rodovias. “São registrados acidentes com os jumentos, que são animais que carregaram o Nordeste nas costas. Essa é uma verdade que precisamos combater e resolver. Não dá para o animal e as pessoas serem vítimas”, disse.
Para Júnior, é necessário que o Estado e as prefeituras se mobilizem para evitar este tipo de acidente. “Essa é uma situação complicada que precisa ser resolvida com urgência. É preciso uma política pública para que os animais não morram, nem as pessoas”, finaliza.
Fonte: Meio Norte